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BIG BOY: "ATUALMENTE NO RIO SÓ PERCO PARA O PROGRAMA 'AVE MARIA'"
Propulsor do rock internacional no Brasil, Big Boy fala de si e do ambiente de sua atividade
Extraído da seção "O Rock e Eu", da revista "Rock: a História e a Glória" (1976), da editora carioca Maracatu.
O disc-jockey Big Boy é mesmo um garotão, quer dizer, Big Boy, o personagem que vive e encarna quase 24 horas por dia. Na rádio (Mundial, Rio) tem dois programas diários - "Big Boy" e "Ritmos de Boate". Ao vivo, aparece no salão de clube que quiser promover seu "Baile da Pesada", hoje principalmente espalhado em sete a oito apresentações mensais, todas com mais de duas mil pessoas, todas custando entre 5 e dez cruzeiros o ingresso ("Às vezes fazemos de graça às garotas pra incrementar a freqüência").
Mas há outro Big Boy, o Newton Duarte, 31 anos, gordo, agitado, olhos fundos, de fala quase tão rápida e atropelada quanto o personagem. Este faz constante ponte aérea entre a Alemanha ("a boate Fabrique, de Frankfurt é que divulga o rock mais promissor do mundo, atualmente") e as casas noturnas do Harlem, de ambiente tão violento, que Newton só entra com especial pistolão de seu amigo, o cantor negro de soul James Brown. Newton Duarte é, e não é fã de Big Boy. Reconhece que é obrigado a tocar "muita música comercial" para garantir a audiência de seus programas ("Atualmente, no Rio, só perco para a "Ave Maria", às seis da tarde, do Julio Lousada"). Mas, quando um desavisado mais exigente critica o Big Boy, Newton pergunta o que acha da seleção musical da rádio Eldorado (Rio), FM, repleta de Pink Floyds, The Whos e Emersons, Lakes e Palmers. "Dessa eu gosto", costuma ser a resposta que envaidece o disc-jockey. Também é Newton Duarte quem escolhe a programação da Eldorado FM.
Antes de tudo, Big Boy, tanto quanto Newton, dispensa vaidades. Confessa-se um "bicão" obstinado, desde o começo da carreira. Foi de freqüentar diariamente os corredores da rádio Tamoio (discos importados debaixo do braço, trazidos por um amigo americano que trabalhava em aviação, Douglas Robert), que conseguiu um lugar de programador, na estação. Assíduo das rodas do rádio da década de 60, Big Boy foi levado junto com o locutor Humberto Reis, para a nova rádio Mundial, planejada pelo jornalista Reinaldo Jardim. O tempo da estação era dividido em programinhas que se alternavam, falando de música francesa, italiana, romântica, turbulenta, cada um de 20 minutos. "Big Boy", seleção de discos feita por Newton Duarte, era o horário que devia ser ouvido pelo garotão típico da época (estamos em meio da década de 60), o não careta, o que estava atualizado com as internacionais. Só que era apresentado pela voz impostada de Humberto Reis, o de "músicas na Passarela", da Tamoio, e depois, já decadente, dos júris de TV. Newton Duarte queixava-se daquela voz dura e formal do seu programa, dizendo o nome das músicas, e Reinaldo Jardim nem se perturbou com as reclamações: - "Eu criei o personagem Big Boy baseado exatamente em você. Quem deve apresentar o programa é você mesmo."
Trêmulo e amedrontado, ainda a meio caminho, Newton Boy, ou Big Duarte, o ex-professor de Geografia, diplomado na Faculdade Nacional de Filosofia, sentiu a responsabilidade, quando encostou a boca a primeira vez, no microfone. "A voz saiu empostada, cara, igual a dos outros locutores da rádio." Aos poucos, foi tomando o programa de assalto. No estilo Chacrinha, versão juventude, fez do sonoplasta outro personagem (o "Dr. Silvana", tirado das historinhas do Capitão Marvel), destacando sintomaticamente, na era do rock som, a figura do técnico. Ele mesmo, Big Boy, sacado por Reinaldo Jardim, era um reflexo da situação do Brasil diante do rock: o meio era a mensagem.
Formado nas audições diárias do programa "Hora da Broadway", da rádio Metropolitana, do Rio, fanático pela audição de Young Make Believe Ball Room, apresentada por Walter Finoti (programa em enormes discos de cera, que vinham exportados pela série "A Voz da América"), Big Boy consolidou estilo. De novo aconteceu numa cena em que fazia o insistente papel de "bicão": depois de quatro dias na neve, na frente da gravadora Apple em Londres, conseguiu encontrar-se com Paul McCartney, isso em 67, e a partir daí, figurar na lista mundial de disc-jockeys que recebiam as novidades dos Beatles um dia antes do lançamento oficial. Tocou "Sgt. Pepper's" quando o célebre LP ainda não havia chegado às lojas londrinas, ganhou prestígio e estourou em audiência. Seu programa passou a dar um acesso à informação de rock tão rápido quanto qualquer ouvinte americano ou londrino. Hoje Big Boy recebe tonéis de compactos e LPs de gravadoras normais ou piratas, selos que às vezes desaparecem após o primeiro lançamento. Disso vivem seu programa e ele - agora casado, pai, morador das Laranjeiras, ex-filhinho de papai, bicão aposentado, "hello crazy people, Big Boy pela Mundial é show musical".
Uma firma de publicidade, a J.P.S. cuida de vender e promover o "Baile da Pesada", atualmente uma firma como outra qualquer, com 15 funcionários especializados, técnico de som, montador, iluminador, chofer e um locutor que entra para esquentar, preparando o público, antes do astro, Mr. Big Boy. Responsável pela parte dos clip-films (filmes feitos pelos artistas internacionais para divulgar suas gravações novas) dos programas de TV "Fantástico" e "Sábado Som", ele não abre mão do improviso em suas apresentações no rádio. Pega uma pilha de compactos, fitas, encara o microfone, enrola a voz e cria slogans, inventa apelidos, regula impacto e clima. Big Boy poderia estar falando direto do Cavern Club, onde um dia Reinaram os Beatles, título e assunto exclusivo de seu programa dos sábados, há anos. "Não consigo acabar com ele, toda vez que ameaço chovem cartas de protesto".
Entre zona norte e zona sul, os repertórios do "Baile da Pesada" sintomaticamente variam, constata Big Newton Duarte Boy. No Monte Líbano, da Lagoa, no Rio, onde chegou a arrecadar 9 mil cruzeiros numa noite de clube superlotado e quebrado, o rock vai de Emerson, Lake & Palmer, muito Beatles e Rolling Stones. Ai dele (que nunca programa antecipadamente, vai sempre colocando os discos conforme a reação dos dançarinos) se tocar isso em Rocha Miranda, Olaria, Padre Miguel, Ramos. "Começam a vaiar. Igual nos Estados Unidos, eles querem é soul, e mesmo assim James Brown. Não aceitam música branca, mais lenta, sem a bateria marcada. O negro é muito plástico, gosta de ver seu próprio corpo dançando. Cada baile desses tem seus expoentes, locais, os cobras que todos rodeiam para depois copiar os passos. E só querem soul, talvez pela batida ser picadinha, igual samba".
E porque Big Boy, Ritmos de Boate, o Baile da Pesada, não tocam a música feita no Brasil? Questão de imagem, irreversível?
"É, cara. Infelizmente acho que sim. Eles não aceitariam."
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