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RÁDIO CIDADE MORREU FAZ MUITO TEMPO

Escrito em 25 de fevereiro de 2006 por Alexandre Figueiredo.

A Rádio Cidade, a ser desativada no final de fevereiro de 2006, só está cumprindo o ritual de extinção de um projeto que há muito tempo não existia mais, de tão descaraterizado.

Na verdade, a emissora morreu mesmo em 1985, quando o projeto original de Fernando Mansur e companhia foi descaraterizado, depois do Rock In Rio I.

A Rádio Cidade surgiu como uma despretensiosa rádio pop, em maio de 1977. Sua linguagem era informal, descontraída, simples, e o repertório musical era limitado, como era a lógica do hit-parade. Sua intenção nunca foi, nem de longe, ser uma rádio de rock, do contrário que pessoas desinformadas tentaram dizer em mensagens recentes na Internet. E nem mesmo a rádio foi pop por obrigação da ditadura, até porque, durante a vigência do AI-5, houve a Eldo Pop, uma rádio de rock ousada e "subversiva".

A Rádio Cidade se inspirou no formato da norte-americana WBLS, de Los Angeles. Seu repertório era eclético, voltado para o jovem comum de classe média. A emissora fez sucesso logo quando surgiu, se tornando líder entre as FMs cariocas.

A Rádio Cidade se tornou, depois, uma rede, com afiliadas em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Vitória, Porto Alegre e outras metrópoles ou regiões do interior do país. Seu formato, porém, ficou banalizado, distorcido por outras emissoras.

O auge da Rádio Cidade se deu entre 1983 e 1984, quando o formato pop da emissora parecia se estabilizar. Numa amostra do humor da emissora, a rádio até tocou músicas de Genival Lacerda, que o locutor Jaguar (nada a ver com o Jaguar do Pasquim) apelidava de Mick Jegue. Outro exemplo foi o pseudônimo que Romilson Luís usou para gravar músicas paródicas, o Piu-Piu de Marapendi, que fez uma música "Eu hoje vou me dar bem", cuja letra satirizava "Você não soube me amar", da Blitz.

A Rádio Cidade também foi uma das pioneiras a tocar a disco music no Brasil, popularizando o gênero. Era a maior alfândega do pop dançante mundial.

O declínio se deu quando a rádio, embarcando no sucesso do Rock In Rio e da Fluminense FM, tentou tocar rock. Ainda não "levantava a bandeira" do estilo, e nem assumia o radicalismo burro de depois de 1995 (um contraste violento com a despretensão inteligente original), mas já tocava alguma coisa acessível dentro do rock independente britânico e tinha programas especiais de rock, como "Cidade Live Concert" e "102 Decibéis", servindo de laboratório para a implantação da 89 FM em São Paulo (que surgiu no final de 1985, das cinzas da Pool FM, como uma espécie de "Fluminense FM sem neurônios", se limitando a ser um simpático e moderado vitrolão alternativo). Alguns profissionais da Fluminense foram contratados pela Cidade, como Luiz Antônio Mello, Monika Venerabile e Milena Ciribelli, além de Selma Boiron, repassada para a 89. Isso enfraqueceu seriamente a rádio niteroiense e abalou também a trajetória da Rádio Cidade.

A Cidade não foi levada a sério, nessa época, como dublê de "rádio rock", e retomou o pop eclético em 1989, mas em 1990 deu seu golpe mortal na Fluminense tirando da rádio o "Novas Tendências", enquanto Luiz Antônio Mello, que havia voltado para a rádio que ele criou para reformular a programação, largou-a definitivamente para trabalhar com Jorge Roberto Silveira. A Fluminense mergulhou numa crise que a fez largar o rock em 1994, depois de uma fase pop em 1990 e uma fase caricata no rock em 1991.

Em 1995, a Rádio Cidade, embarcando na extinção da Fluminense, tentou virar "rádio rock". A experiência mistura a Fluminense FM de 1991-1994 com alguns elementos de linguagem e técnica da Jovem Pan 2, como o ritmo frenético da edição de vinhetas e módulos musicais. É como se a Flu FM de 1991-1994 ganhasse a assessoria profissional da Jovem Pan 2.

Com esta fase, a Rádio Cidade tentou transformar o roqueiro carioca numa figura caricata, torta, rebelde na forma (visual, pose, gírias) e conservador na essência (idéias reacionárias), com um perfil geral esquisito para o autêntico roqueiro: o ouvinte "roqueiro" da Cidade normalmente odeia ver filmes (fora os de terror e de violência), odeia ler livros, é alienado, esnobe, grosseiro, desrespeitoso e gosta mais de futebol do que de surfe. Aguenta ouvir as mesmas músicas todo dia e seu gosto musical se limita às barulheiras acessíveis do pós-grunge (incluindo também o grunge e o metal farofa): poppy punk, nu metal, rock brasileiro pós-1997. É um público que odeia classic rock e rock progressivo, embora a Rádio Cidade tenha patrocinado eventos ligados a estas vertentes (talvez para arrancar parte do lucro dos ingressos).

A presença da Rádio Cidade no rock desmoralizou o segmento. Houve até situações hilárias como o Steppenwolf tocando sem baixo e o guitarrista de surf rock Dick Dale cancelando apresentação. O segmento rock acabou perdendo, nos últimos anos, o seu poder no mercado jovem para ritmos popularescos como a axé-music (antes renegada pelos cariocas e fluminenses, hoje ascendente no Estado), o "funk carioca" e o pop dançante.

Essa perda de mercado do rock - estimulada também com a migração dos roqueiros autênticos para os downloads de músicas de MP3 e para a coleção de CDs e vinis em geral - possibilitou o fim da Rádio Cidade, que, de líder das rádios jovens no Grande Rio, perdeu sua hegemonia para a Jovem Pan 2, 98 FM e O Dia FM. Não podia dar outra: a Rádio Cidade, cujos adeptos esnobaram os adeptos da Fluminense FM quando esta virou pop-adulta e depois noticiosa (Band News), sairá do ar no final de fevereiro, depois do Carnaval, de forma semelhante a da Fluminense em maio de 2003.

Não adiantou a fúria dos esquentados adeptos da Rádio Cidade e nem a postura grosseira da locutora Camile. A Rádio Cidade acabou mesmo. Com todo o respeito à situação dos profissionais demitidos, um recado: se são mesmo bons profissionais, o mercado arrumará de uma forma ou de outra um lugar para eles. De preferência fora do radialismo rock.

Nota da Redação: Por ocasião da publicação deste texto no TRIBUTO, a estréia da Oi FM, no lugar da Cidade FM, estava marcada para 6 de março de 2006.

SELMA BOIRON CORRIGE INFORMAÇÃO DE NOSSO TEXTO

Data: Mon, 3 Apr 2006 14:47:05
De: Selma Boiron
Assunto: Fim da Rádio Cidade
Para: Tributo ao Rádio do Rio de Janeiro

Olá, boa tarde.

Lendo um texto do TRIBUTO sobre o fim da Rádio Cidade RJ, encontrei um comentário que dizia que eu havia sido contratada pela Rádio Cidade para a 89 FM SP.

Isto é uma inverdade. Em SP desde fevereiro de 1984, já havia passado pela Jovem Pan 2, Cultura  FM de Santos e Transamérica quando fui chamada para estrear a 89 FM. Sequer eu e Monika Venerabile passamos juntas pela 89 ou pela Cidade - sendo que eu só trabalhei na rádio Cidade de Portugal, na Amadora e que nada tinha a ver com a xará brasileira.

Admiro quem escreve e gosta do ofício mas, antes de tornar público o texto que nos vai a mente, cabe a delicadeza de confirmar informações para, assim, não dizer o que supomos dando a estas afirmações o status de verdade.

Um abraço,

Selma Boiron.

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