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O RÁDIO REDUZIDO A UM INTERMINÁVEL BLÁ BLÁ BLÁ

Escrito em 6 de novembro de 2014 por Marcelo Delfino para o Blogue do Tributo.

Escrevo este texto diante da notícia do fim do rádio musical no outrora pródigo em boas rádios musicais Sistema Globo de Rádio (Mundial AM 860, Eldorado AM 1180, Globo FM 92,5, Eldo Pop FM 98,1). A Beat 98 FM 98,1 (que no passado foi a saudosa Eldo Pop FM e depois 98 FM) está prevista para sair do ar no próximo dia 17, para se tornar uma repetidora da Rádio Globo AM 1220, que está deixando de arrendar a FM 89,5 (ex-Manchete FM, ex-Manchete Gospel, ex-Nova Brasil FM e ex-Nossa Rádio FM). A Beat 98 e todo o sistema de rádio musical do Sistema Globo estão sendo transferidos para o portal Rádio Beat, que não traz nada de novo em relação a portais e serviços de rádio online melhores que há por aí.

Por algum tempo, entre os anos 70 e 90, nós tínhamos uma segmentação no rádio. Havia rádios de vários segmentos. E havia também uma segmentação entre os dials. Rádio falado no AM, com comunicação, serviço comunitário, jornalismo e coberturas esportivas. Rádio musical no FM, com segmentação musical, jornalismo sucinto e eventualmente entrevistas com os artistas executados nas emissoras. Havia excelentes emissoras, tanto no AM como no FM.

Havia também algumas FMs que, longe de representarem alguma segmentação autêntica no dial FM, foram criadas apenas para imitar outras (imitar mal e porcamente a Rádio Cidade FM 102,9 era de praxe), para promover uma programação alienante e para gerar faturamento à custa de pagar mal a poucos funcionários e receber toneladas de jabá de gravadoras, de produtoras e de artistas.

Paralelamente, por muito tempo profissionais da comunicação combatiam a segmentação radiofônica, e mesmo a existência de dois estilos de rádio distintos: o AM e o FM. Já na Rede Globo, Faustão (egresso do radiojornalismo esportivo da Jovem Pan AM) criticava a segmentação de estilos entre o AM e o FM. Heródoto Barbeiro fazia o mesmo na CBN, brigando para que a então CBN AM 780 de São Paulo transformasse a então X FM 90,5 (então em processo de encerramento de atividades) em mera repetidora da CBN. Isso já nos anos 90. Na década seguinte, a CBN AM 860 do Rio repetiu a mesma atitude, transformando a Globo FM 92,5 em sua repetidora. Nenhuma palavra dos tecnocratas do rádio a respeito dos profissionais demitidos da X FM e da Globo FM. O mesmo processo foi feito também por outros grandes grupos radiofônicos pelo país afora. Rádios AM como Bandeirantes, Itatiaia, Gaúcha, Tupi e Globo também passaram a ter repetidoras no FM. Resultado: menos postos de trabalho no FM. Ao mesmo tempo, tivemos várias FMs não repetidoras de AM vilipendiando o formato do rádio AM, praticando apartheid tecnológico contra as AMs de verdade. E tome FM transmitindo futebol, corrida de Fórmula 1 e colocando no ar comunicadores tendenciosos para falar pelos cotovelos. Algumas FMs ainda mantiveram um ou outro programa musical entre um programa falado e outro, geralmente transmitindo músicas pop, popularescas ou religiosas. Outras FMs baniram os programas musicais, abraçando de vez o modelo de rádio AM. As poucas FMs musicais que sobraram (noves fora algumas estatais, universitárias e outras raras exceções) se dessegmentaram, se restringindo a poucos gêneros: pop, popularesco, gagá contemporâneo e música religiosa. Não se confirmou a falácia dos tecnocratas radiofônicos segundo a qual o rádio falado acabaria com a má qualidade da programação musical em algumas FMs. Pelo contrário: as boas FMs musicais é que foram ejetadas do dial.

Resumindo: o vilipêndio do formato AM pelas FMs foi o estopim do fim da segmentação entre AM e FM, da asfixia econômica das AMs, do fim da segmentação musical do FM, do fechamento de postos de trabalho no rádio e do interminável blá blá blá das atuais FMs, com seus âncoras, comunicadores e comentaristas tendenciosos.

Cedendo aos tecnocratas do rádio, o Governo Federal sepultará de vez o dial AM, ao promover a transferência de todas as AMs para o FM. Isso se os caras dos órgãos públicos que atuam no Sumaré deixarem! Se até meados dos anos 90 nós tínhamos excelentes rádios AM, excelentes rádios FM e alguns maus exemplos de FMs alienantes, agora ficaremos com uma única régua de rádios, somando dial FM com dial FM estendido. Uma régua cheia de AMs tendenciosas com um interminável blá blá blá. Até mesmo as rádios pop, popularescas, gagás contemporâneas e de música religiosa deverão ser ejetadas do dial, como aconteceu com uma série de FMs do dial carioca e como acontecerá agora com a Beat 98.

Como daqui a algum tempo o povo se mudará para as rádios que transmitem para Internet, dispositivos conectados (como smartfones) e serviços pagos (como os de TV paga), a ruína do dial FM será mais rápida que a ruína do dial AM. Quando inventarem o rádio transmitido via wi-fi para chips neurais, até essas rádios que transmitem pela Internet, por serviços pagos ou para dispositivos conectados deverão sucumbir.

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