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DINHO OURO PRETO: "A MPB ESTÁ NO PODER"

Fonte: O Globo, Segundo Caderno, 17 de julho de 2005. Entrevista concedida a Bernardo Araujo.

Depois de começar importando rebeldia e encarnar a liberdade no fim da ditadura militar, o rock brasileiro chegou ao inédito posto de voz única da cultura nacional a protestar na atual crise política. O cantor Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, de 41 anos, é um dos rostos mais visíveis de um movimento que começou em festivais de rock em Belém e Brasília e que apresenta um contraponto à euforia dos músicos brasileiros em Paris. Filho do embaixador Afonso de Celso Ouro Preto — enviado do Itamaraty ao Oriente Médio — ele gosta de falar aos jovens sobre política, mas diz que a juventude atual não valoriza muito a democracia.

O que você achou do show do Brasil na França?

DINHO OURO PRETO: Achei uma sacanagem eles dizerem que o Brasil estava representado ali. Só vi o Rio, a Bahia e Pernambuco. Eu, por exemplo, sou curitibano, criado em Brasília e moro em São Paulo. Nenhum desses lugares é relevante na música brasileira? Só foi a panela, como sempre. A MPB está no poder, talvez por isso apenas alguns artistas de rock estejam se manifestando nessa crise política.

Você acredita no governo?

DINHO: Acredito. Acho que, como disse o Tarso Genro, o PT vai pagar o preço do escândalo, sua bancada vai diminuir, mas tenho certeza de que a essência do partido é correta. Sempre votei no PT e até participei de algumas campanhas, mas sou um petista moderado. Nunca vou acabar no PSTU ou no PSOL.

Está decepcionado?

DINHO: Claro, depois desse escândalo... acho que há alguns erros muito graves: o primeiro é essa prática stalinista do José Dirceu de ocupar milhares de cargos de confiança com quadros do partido, fazendo o governo sustentar o PT. Outro é um problema que existe desde a fundação do partido, essa mania de achar que só ele é bom, que em outras agremiações ou tendências não existam bons políticos ou pessoas honestas. Acho que uma investigação rigorosa deve ser empreendida, com o afastamento, pelo menos provisório, de todos os envolvidos, como o Luiz Gushiken. Também acho que todos os políticos deveriam falar mais aos jovens.

Por quê?

DINHO: Porque eles são capazes de mobilização — embora ela seja rara na política — como se viu na época dos caras-pintadas, e, principalmente, porque a democracia tem que ser valorizada. Hoje vejo uma apatia muito grande dos jovens, o que pode ser o ovo da serpente para uma saída populista ou golpista, até um Hugo Chávez. Falei isso para o Supla quando a Martha Suplicy perdeu a prefeitura de São Paulo para o José Serra: ela deveria ter falado com os jovens. Eu seria um porta-voz dela com todo o prazer. Falo sempre de política, em todos os shows.

E alguém mais faz isso?

DINHO: Claro, o Falcão, cantor do Rappa, é um bom exemplo. A minha geração, de bandas que se formaram ainda na ditadura ou logo depois da democratização, não tem como não falar de política. Aquilo tudo estava muito na nossa frente, principalmente em Brasília, onde sabíamos, por exemplo, daquelas histórias do Collor que, verdadeiras ou não, vieram à tona quando ele foi eleito presidente. Os grêmios estudantis eram atuantes, falava-se de política dentro das escolas, ainda que fosse uma coisa meio sem pé nem cabeça.

E por que hoje é diferente?

DINHO: Já temos 20 anos de democracia e os indicadores sociais mudaram muito pouco, alguns até pioraram. Isso torna a juventude cética. Hoje, se no show a gente pede à garotada para gritar que os políticos são FDPs, eles gritam, mas mais pela farra e por afrontar um símbolo de autoridade. Mas é claro que ninguém tem a obrigação de ser o braço cultural de um partido ou de uma tendência política. Mas sinto arrepios de pensar que a democracia pode ir para o saco se ninguém falar mais aos jovens.

Qual o interesse dos jovens de hoje pela política?

DINHO: Em geral, a garotada é alienada, não se interessa por política. E as bandas atuais, como a Pitty e o CPM 22, que são ótimos, são um reflexo de sua geração. Não acho que a qualidade de uma banda se meça por seu engajamento político. Há bandas como o Led Zeppelin, por exemplo, que nunca falaram do assunto e são sensacionais.

Mas por que esse desinteresse?

DINHO: Acho que por dois motivos: primeiro porque o debate é muito mais complexo desde a queda do Muro de Berlim, não existem mais apenas o preto e o branco, a esquerda e a direita. O outro motivo é a sensação de que qualquer movimento é inútil, que os políticos são todos iguais e nenhum presta. Foi aí que, na minha opinião, o PT errou.

Como?

DINHO: Assim que aconteceu o escândalo, o partido deveria ter afastado todas as pessoas envolvidas e comandado uma investigação rigorosa, punindo os responsáveis, fazendo aquilo que o Lula fala mas não faz, que é cortar na própria carne. Mas não, eles tentaram barrar a CPI. Agora parece que o partido todo é culpado, é ruim, e eu não acredito nisso. A oposição está sambando em cima do escândalo como se ele fosse a pior coisa que já aconteceu na república brasileira, quando nós sabemos que isso é relativamente comum. A reeleição de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, nunca ficou esclarecida.

Como assim?

DINHO: Falou-se em compra de votos e em outras modalidades de corrupção, mas teriam conseguido abafar o escândalo. E o cara que saberia de tudo, o Sérgio Motta, morreu. Mas passou, não adiantaria nada investigar o passado. Enquanto o sistema político brasileiro for esse misto de presidencialismo com parlamentarismo, isso sempre vai acontecer: o governo precisa de maioria no Congresso para governar, e acaba se aliando a partidos que não têm a mínima representatividade, fazendo alianças escusas. Isso acontece sempre, aconteceu no governo FHC e agora no governo Lula.

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