Voltar à seção Artigos Voltar à Página Principal

COMO SE DEU A CAMPANHA PELA VOLTA DA FLUMINENSE FM

Escrito e enviado em 20 de julho de 2002 por ALEXANDRE FIGUEIREDO

Eu nunca aceitei o fim da Fluminense FM. Perdemos tantas coisas geniais no Brasil, um país condenado à "memória curta" e aos modismos descartáveis mas, inexplicavelmente, duráveis. Não deveria ser mais uma vez com a Fluminense, uma rádio alternativa autêntica, que mesmo com suas falhas conseguia representar o segmento rock de forma realista, sem apelas para deturpações como as inúmeras que transformam os jovens em débeis-mentais, os punks em palhaços escatológicos ou os headbangers em vândalos arruaceiros de casacos de couro e motocicletas. A Fluminense FM valorizou o rock como música, não apenas como veículo de catarse juvenil, valorizando também a inteligência e a preocupação de não cair nos vícios das rádios de "só sucesso".

Não aceitava ver todo o trabalho da Fluminense FM sendo jogado no lixo, para deleite de oportunistas de todos os lados, desde aqueles que usavam a dance music para ambientar os funerais da antiga "Maldita" até mesmo os oportunistas que viam no rock apenas como mais um produto capitalista rentável, como qualquer sabão em pó, como qualquer automóvel de última geração.

De repente a Fluminense virou pop, em 1990, tratando New Kids On The Block como se fossem os Beatles, ofendendo esta banda inglesa que inspirou os jovens do mundo inteiro a montarem uma banda musical. E banda musical, para quem sabe de música, não são aqueles grupos de dançarinos e cantores que nada fazem senão simplesmente nada, mas sim grupos de pessoas que, quase todas, tocam instrumento, compõem e arranjam. A programação pop durou um ano, mas foi como se a antiga "Maldita" tivesse sofrido uma coronhada violenta, tendo estado este tempo todo inconsciente.

Em 1991 a rádio retomou o rock mas, com a exceção de alguns profissionais competentes (Tom Leão, José Roberto Mahr e Rodrigo "Midsummer Madness" Lariú), a Fluminense FM pecava pela mediocridade. Descontando os citados produtores e talvez um e outro que me falte na memória, todos queriam soar como primos pobres (e burros) da emergente MTV, uma emissora de tevê musical mas cujo compromisso natural não é ser a TV do rock (sua estrutura é outra, é eclética). O próprio Luiz Antônio Mello, idealizador da Flu FM, já nos avisou disto.

Aí vieram programas sofríveis, como "Contracapa", "Jack Ruim", "Hard Rock" (cujo apresentador afirmou no ar que não gostava daquilo que rolava no programa). Vinha também uma ênfase exagerada no grunge e no rock barulhento ou manjado dos anos 90, menosprezando as demais tendências, o que acabou irritando muita gente. A Fluminense FM, que de rádio de rock autêntica parecia mais um arremedo ainda mais rudimentar das já rudimentares FMs comunitárias dedicadas ao rock, a maioria conhecida por seu amadorismo, perdeu audiência e quase faliu. Quando Ricardo Chantilly pensou em fazer ajustes na programação, foi tarde demais, na sua incompetência foi preterido pela proposta da Jovem Pan Sat em colocar a Jovem Pan 2 nos 94,9 mhz.

Aí a Fluminense FM saiu do ar. Milhares de protestos, muitos abaixo-assinados e nada. A crise da Fluminense serviu de marketing para Tutinha & companhia empurrarem o pior da dance music (aquela que só sobrevive nas academias de ginástica) para o público carioca. A Jovem Pan 2 tentou dar a impressão de que era uma emissora grande, poderosa, mas nos bastidores não conseguia faturamento, tendo que pagar as contas do Grupo Fluminense. Tentou divulgar um Ibope maior do que era e não conseguiu convencer. Em 1998 tentou ser popularesca, tocando até pagode, e em 1999 tentou o caminho inverso, o tal "pop-rock", aqui sem dar desconfiança de que este era o ensaio para que o ex-produtor das coletâneas dance da Jovem Pan 2, Alexandre Hovoruski, faria com a rede da 89 FM (que se diz "rádio rock", mas tem a mesma linguagem e mentalidade da Jovem Pan). A Jovem Pan saiu dos 94,9 mhz de Niterói (e ainda tentou creditar a sede ao município do Rio de Janeiro), que acabaram mantendo os locutores locais da antiga JP Rio para formar a Jovem Rio FM. Quando soube da rádio pela primeira vez, eu pensei que fosse uma FM de segundo escalão da Baixada Fluminense.

Nesse caminho todo, a Rádio Cidade, que estava divulgando massivamente o CD de seu programa "Dancidade", deixou tudo pela metade e, cinco meses após a saída do ar da Fluminense FM, tentou assumir o rock. Todo mundo achou que era uma mudança revolucionária, mas não só isso não se deu, como muitos tiveram que reconhecer que, apesar da pretensão "radicalmente rock", a Cidade, na prática, continuou sendo a mesma rádio pop de sempre, com a diferença de ter um "vitrolão roqueiro", uma gororoba que mistura clássicos ultra-manjados com bandas de gosto muito duvidoso. O quadro de locutores permaneceu praticamente o mesmo da fase dance e isso acabou prejudicando seriamente a Rádio Cidade, não na audiência nem no faturamento, que iam bem, mas na credibilidade entre aquele que se presume ser o atual público-alvo da emissora: os roqueiros.

A Rádio Cidade, que quando o rock era mais voltado ao underground, lá pelo fim dos anos 70, nunca se interessou pelo gênero (era até direito da emissora agir assim, por causa de sua equipe, que tinha outro compromisso de segmento) e nem a extinção da Eldo Pop (atual 98 FM), rádio de rock da época (1977), fez a Cidade se mexer. Hoje, com total incoerência com sua trajetória original, a Cidade zerou sua história para 2000 e, de uma só tacada, fez contrato para ser "rádio rock" por 10 anos a partir de outubro de 2000. Um negócio precipitado, pois é muito arriscado uma rádio fazer contrato de dez anos de uma só vez, ainda assim enfrentando o repúdio dos roqueiros autênticos.

Para reagir tanto à Jovem Rio quanto à Rádio Cidade atual, criei um site, "O Pior do Rio" (um sarro com o lema "O Melhor do Rio" da Jovem Rio), hospedado pelo Geocities. Este site deu origem a outros sites, "Volta, Maldita" (também pelo Geocities), que fazia um tributo à Fluminense FM, "Cidade Disco Years", que relembrava a esquecida Rádio Cidade original e "89 Popwave", dedicado à questionar todos os descaminhos da 89 FM de São Paulo, primeira emissora a diluir o perfil rádio de rock aos padrões rígidos do hit-parade no Brasil. Estes dois últimos até hoje são hospedados pelo provedor HPG. O "Volta, Maldita" foi extinto e virou "Tributo à Rádio Fluminense", também no HPG, que aliás entrou no ar quando "Volta, Maldita" ainda existia, durante poucos meses. "O Pior do Rio", por sua vez, virou "A Vez do Brasix", também HPG, concentrando suas ações para questionar as irregularidades das rádios comerciais que tentam soar como "rádios rock".

Em junho de 2000, pouco antes da Rádio Cidade retomar o rock - ela estava voltando para a dance music, quando recebeu aviso de que seria afiliada da 89 FM - , a Internet ganhava sua primeira rádio de rock, a Rocknet, de Luiz Antônio Mello. Hospedado pelo provedor Actech, de André Valle (professor e estudioso em Informática), a Rocknet tinha uma proposta brilhante de levar um perfil idêntico ao da Fluminense FM original, só que atualizado para o Século XXI, para a rede mundial de computadores. Eu mesmo participei, durante um ano, como colunista do site, mas infelizmente a Rocknet não vingou. Não por culpa de seu pessoal, nem dos ouvintes em si, que a apoiaram, mas das próprias falhas da Internet brasileira, cuja conexão é prejudicada quando se tenta fazer atividades complexas na rede, como carregar a transmissão de uma web radio, que muitas vezes faz cancelar a transmissão.

Vendo as limitações da web radio, pois a Rocknet ainda era desconhecida por muitos e repudiada (por ser só na Internet) por alguns, que preferiam a programação domesticada da Rádio Cidade porque dá para levar o rádio para a rua ou escutá-lo no rádio do carro, decidi escrever para o Alexandre Torres, do Grupo Fluminense de Comunicação. Sabia das reivindicações dos ouvintes da Rocknet em levá-la para a Freqüência Modulada, e eu, na minha boa intenção e desafiando as tendências da situação (que indicavam que nada poderia fazer reviver a Fluminense FM; na época, parecia mais fácil esperarmos que uma rádio de Japeri, Volta Redonda ou adjacências, ou então negociar para que os locutores da Rádio Cidade deixem de falar como tresloucados e tocassem coisas mais alternativas), escrevi para o empresário do Grupo Fluminense. Escrevi três cartas.

A idéia original era que o Grupo Fluminense fosse abrigar a Rocknet nos 94,9 mhz. Era o que eu pedia nas cartas. Mas em junho de 2001, a Fluminense voltou, mas sem essas condições. A sintonia foi em AM, porque o contrato com um grupo de DJs cariocas donos da marca "Jovem Rio" não expirou (só o ocorre em agosto de 2002). E o pessoal da Rocknet não foi aproveitado por talvez Alexandre Torres não ter gostado das críticas que Luiz Antônio Mello fez quando lançou uma edição ampliada do livro "A Onda Maldita" em 1999. Apesar dos pesares, a crise na Rocknet, de jeito nenhum, se deve ao ressurgimento da Fluminense, mesmo em AM, uma vez que as limitações inerentes da Internet brasileira, com sua tecnologia de segunda mão (sucata do Primeiro Mundo, pois lá não se utiliza mais a conexão por linha telefônica, lá o normal é a Internet a cabo, que é bem mais veloz), não garantiam uma sintonia da Rocknet, que tinha quedas praticamente a toda hora.

A volta da Fluminense, em junho de 2001, curiosamente no primeiro dia útil após uma sexta-feira treze, representou o fim das limitações a que os roqueiros do Grande Rio tinham para ouvir rock, desde aquele outubro de 1994. Todas as rádios, da Costa Verde de Itaguaí à Búzios FM, da Rádio Cidade à Rocknet, tinham alguma limitação, mesmo tendo sido essas rádios bem diferentes e de estruturas das mais diversas. A Fluminense AM voltou equilibrando nomes antigos e novos, com a brilhante atuação de José Roberto Mahr, o homem do "Novas Tendências", programa que chegou a ser em rede nacional (com surpreendente sucesso) e que irá voltar na nova Fluminense FM.

Enfim a notícia da Fluminense FM, que voltará em agosto, nos exatos oito anos após a sentença de morte (agosto de 1994, quando foi acertado o acordo com a JP que entrou em vigor dois meses depois), é uma grata surpresa. A audiência respondeu com amplo apoio, e o mercado, meio tímido, meio perplexo, está readquirindo a confiança em investir nos espaços publicitários do Grupo Fluminense. A Jovem Rio, vice-lanterna das FMs jovens (só não é lanterna porque a Transamérica FM, na sua crise de identidade, já pensou ser rádio rock e agora pensa que é uma rádio AM), irá desaparecer do ar, até porque não teve carisma, seus DJs tinham mais pretensão que talento e até acharam que iriam ter Mahr como aliado, quando o chamaram para fazer um programa de techno, mas depois viram que o DJ e também comissário de bordo seria logo depois o principal responsável pela festejada volta de uma das mais carismáticas e mundialmente elogiadas rádios alternativas do país.

Mahr, com seu excelente trabalho, juntamente com Daniel Kraichete (primeiro coordenador, que depois cedeu o posto para Mahr), Leandro Souto e outros, recolocaram no rádio uma programação musical vasta, cuidadosa, com entrevistas e uma excelente qualidade profissional, que se somará à qualidade sonora dos 94,9 mhz hoje turbinados com uma potência maior do que aquela que encerrou o setembro de 1994. Para alguma coisa a grana da Jovem Pan serviu.

LONGA VIDA À RÁDIO FLUMINENSE FM 94,9 MHZ!!!!

Voltar ao Início Voltar à seção Artigos Voltar à Página Principal